Onde começa o amor por nós e acaba o amor pelos outros? Ou melhor dizendo: onde acaba o amor por nós e começa o amor pelos outros?
Qual das duas perguntas nos ajudará mais? Será que existe uma fronteira entre um amor que começa e um outro que acaba para dar lugar ao primeiro?
Será a generosidade um reflexo da nossa consciência, das nossas crenças e dos valores que adotámos para nós?
Comecemos por nos perguntar o que é para cada um a generosidade. Cada pessoa pensa nesse conceito de forma pessoal e única, de acordo com o significado que lhe foi dando, ao longo do seu aprendizado e experiencia de vida. Para umas pessoas a generosidade é um valor sagrado, através do qual damos e ajudamos os que mais precisam, para outras a generosidade pode ser uma forma de alimentar a sua própria limitação, vendo-a nos outros. Para si, amigo leitor, o que é a generosidade? Quais os seus limites e o propósito que serve?
Todos os conceitos/valores servem um propósito e é desse que falamos, hoje, aqui, consigo, amigo leitor. O propósito é a razão de ser que dá vida e justifica a ideia que nos move e com ele criamos uma espécie de segurança que nos legitima a vivê-lo de forma aceitável e correta. Tal como qualquer outro conceito/valor, a generosidade pode ser uma faca de dois gumes: um escape ou um encontro com a verdade que pulsa em nós.
A verdade que pulsa em nós não é, geralmente, a que a nossa mente dita. Nem sequer é a voz do mundo, da religião, da família, dos amigos ou da cultura onde estamos integrados. A verdade que mais alto fala, quando todo o tumulto se acalma e nos confrontamos connosco mesmo, sem máscara, sem rodeios e sem fingimentos, mostra-nos o outro lado e oferece-nos a redenção interior.
Porque somos generosos? Quem recebe a nossa generosidade? Quais as condições para sermos generosos? Que contrapartidas esperamos? Que sacrifícios fazemos para lhe dar vida? Quando devemos avançar ou parar?
O conceito de generosidade está intimamente ligado ao conceito de “dar”.
Existem dois movimentos internos no impulso de “dar”:
De mim para o outro – um só sentido
De mim para mim através do outro regressa a mim – 2 sentidos
Podemos assim perguntar-nos qual dos movimentos está presente quando damos seja o que for a alguém. Que propósito serve cada um deles?
No primeiro verificamos que “aquilo” que é dado, é perdido para quem o deu. O movimento de saída torna o outro a razão de ser da dádiva.
No segundo observamos um movimento de retorno à origem. Aquele que dá, recebe e o outro foi o catalisador do impulso.
Qual a função dos objetos neste impulso de “dar”? São simples oportunidades para dar vida a um propósito mais profundo – estabelecer uma ligação de amor entre dois seres que são, intrinsecamente, Amor.
Qual a função dos sentimentos neste impulso de “dar”? São simples oportunidades de reconhecimento que somos amor e que nos reconhecemos como tal.
O Curso em Milagres ensina-nos que só podemos “ar a nós mesmos”, ainda que o propósito que acreditamos servir seja “o outro”, seja a sua necessidade, seja a nossa.
O mundo que nos cerca é uma resposta à relação que temos connosco mesmos. Quando nos esquecemos que somos amor e nada mais, tentamos encontrar o amor que negamos a nós mesmos, nos braços dos outros ou na “compra” da sua atenção, presenteando-os, ou, socorrendo as suas necessidades, para que algo em nós se sinta valorizado e reconhecido.
O verdadeiro teste para ferir o propósito que servimos quando somos generosos, está no que sentimos e/ou pensamos quando a resposta de retorno que esperávamos receber não chega a nós. Quando nos esquecemos de NOS amar, o mundo, frequentemente, nos vira a cara, ignorando-nos, desvalorizando-nos ou abusando de nós. Se isso acontece é importante refletir sobre quão generosos somos connosco mesmos.
O que está em causa, não é quantidade de “presentes” que nos damos, mas o que pensamos de nós e dos outros. O verdadeiro ato de Amor é aquele que une e integra, não aquele que justifica e reforça uma diferença que nos mantém separados, entre melhor e pior, mais ou menos, certo e errado.
O Amor nada julga, tudo aceita e envolve, em plena liberdade de expressão da vida. Quando nos julgamos, criticamos, ou nos vemos acima ou abaixo dos outros, atacamo-nos e perdemos o contacto com o nosso verdadeiro centro de generosidade – o coração.
Ser generoso com verdadeira pureza implica que nos tornamos o Sol da nossa vida, a expressão infinita de Amor e que a partilhamos com o mundo, sem nada esperar que nos mantenha reféns dessa expectativa. A vida serve na excelência aqueles que nada precisam, pois o movimento de “precisar” retira-nos do fluxo da vida que flui, sem interrupção, preenchendo tudo e todos. Aqueles que aos nossos olhos “precisam” mostram-nos o quanto existe em nós que precisa de ser amado e libertado. Nesta consciência, o que damos aos outros, é vivenciado reconhecidamente como um gesto de amor por nós, pois dar é amar, independentemente do que “parece ser o objeto” que justifica esse impulso. Quando nos amamos em tudo o que damos, a vida corre para nós e liberta o mundo que nos rodeia das “necessidades” e “limitações” que alimentavam as nossas próprias carências.
Dar para aliviar as nossas mágoas ou carências pode parecer muito bonito, mas não deixa de ser o uso do verdadeiro amor para atenuar o desamor que vive em nós. A Generosidade que depende dos que “precisam” para existir e conquistar valor, não pertence ao mundo do Amor, mas ao mundo do medo.
O ato de dar com verdadeiro amor, deixa no dador uma alegria que o preenche e expande, numa explosão amorosa, desfrutando de si mesmo e do êxtase de se dar e expandir. Na nossa cultura a prática de “dar” está viciada, usando as relações humanas como jogos de ping-pong, onde uns “dão” e outros “recebem” e os que mais “dão” são os bonzinhos, deixando a culpa e o imerecimento aos que “recebem” pois ficam sempre em dívida, quer o dador o deseje ou não.
Podemos dizer que ou “nos damos” ou “damos” e cada um destes movimentos é absolutamente diferente e oposto ao outro.
“Damo-nos” quando ao darmos (coisas, objetos, sentimentos, ideias, etc)nos recebemos na alegria que o próprio ato gera. Não importa o que o mundo nos traz de volta, pois a verdadeira dádiva ao ser dada, é instantaneamente, recebida.
Imagine, Amigo Leitor se vivêssemos num mundo onde cada gesto fosse uma fonte de alegria incrível para o próprio!
No “dar” do mundo o propósito oferece, secretamente, a dor, a separação, a crítica, o julgamento. A perda sofrida pelo dador procura consolo nas expectativas de retribuição. O jogo de forças torna-se denso e os seres humanos mascaram o seu amor com acusações e cobranças que desfaz o maior laço de amor que existe e que a todos nos torna UM.
Receber Amor sem condição e total liberdade é a maior benção que nos podemos dar e a maior benção que o dador pode oferecer-se e estender aos outros.
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